Está aqui

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  • O Príncipe Amyn Aga Khan discursa durante o lançamento dos Prémios Aga Khan para a Música.
    AKDN / Akbar Hakim
Edição inaugural dos Prémios Aga Khan para a Música

Senhora Presidente da Fundação Gulbenkian, Dra. Isabel Mota,
Excelentíssimos membros do Governo, do Parlamento, das Autoridades do Estado, e Membros do Corpo Diplomático,
Suas Excelências, Distintos Convidados,
Senhoras e Senhores

O concerto desta noite celebra o lançamento dos Prémios Aga Khan para a Música, criados pelo meu irmão, Sua Alteza o Aga Khan, para distinguir a criatividade e o potencial de exceção, e o empreendedorismo nas áreas das atuações musicais, criação, educação, preservação e revitalização e na criação de inclusão social em sociedades de todo o mundo nas quais exista uma presença significativa de muçulmanos. Portugal é um excelente exemplo de uma sociedade pluralista unida que se mantém consciente da sua diversidade, do seu passado histórico e da sua cultura, e é por isso apropriado que esta primeira edição dos Prémios e esta primeira cerimónia, juntamente com os concertos e eventos associados, tenham aqui lugar. Estou verdadeiramente agradecido ao Governo de Portugal pelo seu apoio e à Fundação Calouste Gulbenkian por nos disponibilizar as suas excelentes instalações para aquilo que considero ser uma ocasião excecional.

Este agradável evento é-me particularmente caro, pois representa a materialização de uma ideia que apresentei ao meu irmão há quase duas décadas, na altura em que o Fundo Aga Khan para a Cultura estava a dar os primeiros passos em direção à inclusão da revitalização musical no seu portefólio de desenvolvimento cultural. A minha ideia era estabelecer um prémio musical que pudesse vir a ter uma visibilidade e impacto a nível mundial no sector da música, semelhante ao Prémio Aga Khan para a Arquitetura. A música foi sempre uma arte de especial importância para mim: o seu poder de comunicação é especial, enorme e universal; liga as pessoas e mantém-nas unidas.

Há um antigo aforismo sufi que diz: "Se quiseres ir para Norte, vai para Sul". E isso descreve, mais ou menos, o caminho tortuoso que levou, por fim, à criação dos Prémios para a Música. Foi em 2001 que o meu irmão lançou na Ásia Central a Iniciativa Aga Khan para a Música, como era então chamada, com o objetivo de ajudar a preservar e revitalizar a música tradicional folclórica, clássica e devocional da região. Estes esforços de preservação eram muito necessários, pois muitos deles sido alvo de negligência ou repressão ativa durante o período soviético.

O primeiro projeto da Iniciativa para a Música criou uma rede de escolas de música e centros no Afeganistão, Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão, cada um apoiado por uma oficina para fabricar instrumentos musicais de alta qualidade para os alunos. Em alguns casos, instrumentos que sobreviveram apenas em gravações antigas ou como objetos de museu tiveram de ser reconstruídos e reintroduzidos na prática. Noutros casos, os instrumentos musicais locais que passaram a ser considerados como antiquados e indesejáveis foram reabilitados e repopularizados através de atividades de ensino e tutoria por parte de destacados músicos mestres. Pouco a pouco, os jovens músicos, que passavam as horas após as aulas a aprender a tocar estes instrumentos nas escolas e nos centros da Iniciativa para a Música, passaram a ser procurados como artistas e professores. Em 2003, altura em que as primeiras escolas foram abertas, comprometemo-nos com um investimento a longo prazo na educação e desenvolvimento das carreiras da próxima geração de líderes musicais e culturais na Ásia Central. Este compromisso foi recebido com ceticismo em alguns setores, mas 15 anos depois, quando avaliámos os resultados das nossas intervenções, encontrámos provas convincentes de que a nossa estratégia tinha dado os resultados que havíamos previsto. Ao criar e a tocar música, as crianças aprendem a aprender. O papel na educação que os museus de instrumentos musicais podem desempenhar não deve ser subestimado. 

Esperamos que os Prémios Aga Khan para a Música cumpram um papel cultural único. Entre os muitos prémios musicais do mundo, nenhum, tanto quanto sei, se concentra no espectro completo de música e poesia devocionais, música clássica nativa, música folclórica tradicional e música contemporânea inspirada na tradição que tem florescido e que gostaríamos de ver continuar a florescer nas culturas moldadas pelo Islão. Estes géneros e estilos musicais continuam a ser importantes no mundo atual, uma vez que representam o papel tradicional da música enquanto fonte de iluminação espiritual, inspiração moral e coesão social.

Numa época em que o fortalecimento da tolerância e do pluralismo se tornou uma prioridade mundial premente, a música é uma das artes que oferece um meio para alcançar, envolver e unir o público global, gerando emoções que todos partilhamos enquanto seres humanos. Certa vez afirmei que a música é feita de sonhos e o reflexo desses sonhos, e acredito que a humanidade partilha, em grande medida, os mesmos sonhos.

O concerto desta noite não celebra apenas o lançamento dos Prémios para a Música; assinala também a estreia de uma colaboração entre a Orquestra Gulbenkian e os Mestres Músicos da Iniciativa Aga Khan para a Música. O seu programa, desenvolvido especificamente para esta ocasião, demonstra a criatividade eclética dos Mestres Músicos, um grupo de intérpretes-compositores-improvisadores cosmopolitas cujas vidas e carreiras têm ziguezagueado entre continentes e entre colaborações com música clássica, folk, jazz e música contemporânea para concerto de todo o mundo. Espero que esta música esta noite interaja convosco a nível emocional e quase físico, como se estivessem a assistir a uma sessão de improviso.

As composições dos Mestres Músicos que vamos ouvir foram arranjadas para a Orquestra Gulbenkian por Dmitri Yanov-Yanovsky, que vive em Tashkent, no Uzbequistão, e que é um admirado compositor por direito próprio, e que tem sido um colaborador de longa data da Iniciativa Aga Khan para a Música.

Como todos sabemos, as representações orquestrais de ritmos e melodias inspiradas na música e nas lendas do Médio Oriente e da Ásia Central estiveram presentes em muitas músicas do século XIX. Pensemos em Rimsky-Korsakov e Borodin, por exemplo. Foi uma época em que a pintura orientalista também refletia esse novo interesse e a excitação causada por uma presença crescente de ocidentais no Oriente e de novas descobertas. Hoje, porém, temos músicos do Afeganistão, Tajiquistão, Uzbequistão e Síria a criarem uma orquestra para tocar as suas próprias composições que têm origem na sua formação e tradições e que são tocadas com os seus próprios instrumentos musicais. O movimento foi invertido: em vez de termos música a tentar soar de acordo com a ideia de orientalidade do público, estamos a ir na direção de uma música que emana diretamente do Oriente, mas que inclui elementos ocidentais e até talvez ao ritmo de instrumentos ocidentais. Corremos o risco de criar uma trapalhada, mas hoje estamos a mover-nos na direção de uma música nova, abrangente e inclusiva que respeita e inclui as diferentes tradições, diferentes sons e diferentes ritmos. Uma nova linguagem inclusiva. A música é, por definição, uma arte evolutiva, e a composição musical tem vindo sempre a evoluir. Desde sempre que o Homem tem viajado e levado a sua música consigo, modificando e transformando a sua música tradicional à medida que iam ouvindo a música das pessoas com que se cruzavam.

É este o tipo de colaboração artística aventureira que reflete o pluralismo que Sua Alteza, em conjunto com o Fundo Aga Khan para a Cultura e toda a nossa comunidade, tem procurado construir e apoiar. Temos a esperança e a ambição de que os Prémios Aga Khan para a Música funcionem como um catalisador para muitos projetos futuros que se baseiem na rica tapeçaria do património musical muçulmano, ao mesmo tempo que ultrapassam as fronteiras do tempo, lugar e cultura, assimilando as tradições e características de outros patrimónios, dando origem a um som pluralista global. Os músicos são inovadores irreprimíveis, pois entendem implicitamente que a música tem de evoluir para permanecer viva e culturalmente relevante. As instituições que estimulam, organizam, encomendam e administram a produção e a divulgação da música devem, portanto, evoluir e mudar. Sem dúvida que a nossa Iniciativa Aga Khan para a Música e os Prémios para a Música não são exceções. Ambos são trabalhos em curso, no melhor sentido. Espero que se juntem a mim no desejo de que tenham uma vida longa e uma produtividade contínua ao longo dos próximos anos e décadas.