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  • Voluntários qualificados responderam a uma avalanche em Shod, no Tajiquistão, que destruiu duas casas, mas não causou vítimas graças a uma evacuação oportuna.
    AKAH
Agência Aga Khan para o Habitat
Preparação para o Inverno

“Foi por volta das 10h20 do dia 17 de Março de 2022. Estava em casa, ouvi um estrondo e de repente o chão tremeu debaixo dos meus pés”, contou Alibek Alidodov, voluntário da Equipa de Preparação para Avalanches (AVPT) no Distrito de Roshtqala, no Tajiquistão.

“A princípio, pensei que fosse um terramoto, mas o estrondo começou a soar cada vez mais alto. Saí imediatamente para ver o que se passava. De repente, vi uma enorme avalanche a descer do outro lado do rio e a avançar em direção à nossa aldeia.”

Entre Novembro de 2021 e Março de 2022, registaram-se 440 avalanches nas regiões montanhosas do Afeganistão, Paquistão e Tajiquistão onde trabalhamos. Estes eventos podem causar a perda de vidas e meios de subsistência, destruindo casas, danificando infraestruturas e bloqueando estradas.

“No Ocidente, as pessoas que morrem em avalanches são principalmente turistas ou desportistas. Eles escolhem estar naquele local. Na Ásia Central, não há escolha. As pessoas vivem nestas aldeias sob a ameaça de avalanches”, disse Doug Chabot, analista de avalanches.

“Na Europa, morrem cerca de 60 pessoas por ano. Trinta nos EUA, e no Canadá cerca de 15. Na Ásia Central, contabilizamos as mortes na ordem das centenas, especialmente num mau ano, como foi 2012 ou 2017. Temos de alertar e informar.”

Em resposta a isto, a Agência Aga Khan para o Habitat (AKAH) criou um programa comunitário de educação sobre avalanches e instalou sistemas abrangentes de avaliação e monitorização de perigos. É uma das poucas organizações na Ásia Central a fazê-lo.

O programa de preparação para o inverno tem sido lançado todos os anos em Novembro desde 2017. O plano inclui sessões de formação pré-desastre, armazenamento, sistemas de alerta e de alerta precoce, postos eficazes de monitorização meteorológica, comunicação à prova de falhas, rotas de saída, planos e procedimentos de evacuação preventiva, e competências de resgate e salvamento. O programa é apoiado por uma avaliação detalhada dos perigos para um mapeamento das zonas de riscos e das áreas seguras.

A Avaliação de Perigos, Vulnerabilidades e Riscos (HVRA) é uma estrutura de avaliação de riscos ao nível das comunidades que é fundamental para o trabalho da AKAH. É um processo com quatro etapas que parte de uma análise documental usando imagens de satélite e dados de fontes secundárias. Esta é reforçada por uma visita de campo e uma consulta à comunidade. Os dados relativos a perigos existentes, desastres passados e dados socioeconómicos são analisados utilizando um modelo de risco, levando à criação de um mapa de risco que mostre a exposição da povoação aos diferentes níveis de risco. Esta análise é partilhada com as partes interessadas relevantes, incluindo líderes governamentais e comunitários.

“É uma abordagem única, uma vez que a AKAH utiliza sistemas de informação geográfica e tecnologias de base de dados em conjunto com uma consulta das comunidades para desenvolver um mapa de risco a nível local e uma base de dados rica e consistente das diferentes camadas relevantes”, disse Deo Raj Gurung, Coordenador do Programa de Preparação para o Inverno da AKAH. “Ao usarmos esta base de dados consistente a nível temporal e espacial, podemos monitorizar a evolução dos riscos e obter informações sobre a dinâmica dos riscos.”

A AKAH já abrangeu cerca de 2500 povoações através de HVRA, os quais são atualizados a cada três anos. Mais de 600 destas povoações são altamente propensas a avalanches. Para monitorizar e prever o risco de avalanches nestas aldeias, criámos 88 postos de monitorização meteorológica (WMP), operados por 100 voluntários qualificados. Todos os dias, estes voluntários recolhem dados meteorológicos sobre temperatura, queda de neve, vento, chuva e outros elementos, assim como quaisquer dados sobre avalanches que tenham ocorrido. Estes dados são enviados para a AKAH todos os dias.

Hajirah Bibi, voluntária de WMP em Baixa Chitral, no Paquistão, descreveu o seu trabalho: “Tenho de registar os dados/leituras do posto de monitorização meteorológica diariamente sempre à mesma hora. Mas quando o tempo piora, tenho de registar as leituras quatro vezes por dia para partilhar com os funcionários da AKAH. Como resposta, recebo alertas e avisos meteorológicos, que tenho de partilhar com a comunidade e pessoas responsáveis em mesquitas, escolas e outras instituições voluntárias... Para o futuro, estou à procura de mais formação técnica para usar equipamentos atualizados e também de adquirir competências para fazer previsões meteorológicas.”

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Fazer medições diárias das condições climatéricas é fundamental para a previsão e o alerta contra riscos.
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AKAH

A AKAH mantém uma base de dados destes boletins meteorológicos diários, que o perito em previsão de avalanches, Doug Chabot, analisa todas as manhãs durante a época de inverno para realizar previsões e alertas de avalanches. Doug refere que uma combinação de três fatores pode causar avalanches: encostas mais íngremes que 30 graus, que são vulgaríssimas nos terrenos montanhosos do norte do Afeganistão, Paquistão e Tajiquistão; o clima, por exemplo, se a neve está densa ou polvoroso, e se o vento está a espalhá-la; e a existência de um manto nevoso [snowpack] (se cada nova camada de neve está a aderir às outras ou pode facilmente ocasionar um deslizamento). A avaliação do snowpack exigiria expedições de escavação no alto das montanhas, pelo que a monitorização da atividade das avalanches funciona como um indicador.

Para além de preverem e oferecem preparação para as avalanches, as estratégias de mitigação incluem provocá-las em alturas seguras, construir estruturas de defesa no alto das montanhas em zonas de partida para evitar avalanches ou criar estruturas na base dos vales para proteger as habitações. Dado que estas estratégias de mitigação são de elevado custo e cada estrutura só consegue cobrir uma zona limitada, é fundamental ter um sistema eficaz de prevenção e alerta contra riscos, assim como levar as populações a prestar atenção aos alertas. Para isso, são essenciais os postos de monitorização meteorológica.

“Os postos de monitorização meteorológica exigem menos de 100 dólares em equipamento para serem instalados e são administrados por voluntários. Muito positivo é o facto de os moradores recolherem os seus próprios dados e estarem profundamente envolvidos no programa. Isso torna todo o programa sustentável”, disse Doug Chabot.

Através deste programa, os voluntários de monitorização meteorológica e as comunidades locais estão a aprender a detetar riscos de avalanche e a avaliar as condições para tomarem as suas próprias decisões informadas e lidarem com os riscos que têm de enfrentar.

“Ocorreu uma avalanche quando eu estava fora de Shughnan. Antes de partir, pedi à minha família, durante a acumulação de neve, que saísse de casa, de acordo com a formação que a AKAH nos tinha dado, e disse-lhes que a neve indicava que provavelmente haveria uma avalanche”, disse Rahim Bek, do Distrito de Shughnan, no Afeganistão. “Felizmente, não houve mortes.”

Para ajudar as comunidades a atuarem com base nestas informações, a protegerem-se e prepararem-se contra uma avalanche e a recuperarem rapidamente se acontecer uma, a AKAH fornece formação especializada às equipas locais de voluntários de resposta a emergências, incluindo AVPT.

Mohammad Haref, professor e líder de equipa de AVPT no distrito de Ishkashim, no Afeganistão, tem ajudado a retirar a população em segurança sempre que a sua aldeia é ameaçada por avalanches ou inundações. Tem constatado uma maior frequência de avalanches ao longo dos anos, à medida que as temperaturas vão aumentando e os padrões de chuva e neve vão mudando:

“Todos os anos, a nossa aldeia experiencia desastres naturais. Tendo em conta as necessidades da nossa população e da nossa comunidade que está afastada das redes de telecomunicações e a dificuldade de acessos aos centros distritais durante a estação fria, decidi juntar-me à equipa. Recebi formação em primeiros socorros e busca e salvamento duas vezes nos últimos dois anos. Este ano, recebi formação profissional relacionada com avalanches. Temos instrumentos como pás, ferramentas para reavivar pacientes, altifalantes, eletricidade, serras, machados, cordas, assim como equipamentos de proteção, incluindo duas sondas próprias para avalanches, caixas e óculos de proteção.”

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Voluntários qualificados trabalharam para levantar um camião atingido por uma avalanche no distrito de Shugnan, no Tajiquistão.
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Salvar vidas e meios de subsistência

As comunidades estão agora mais bem preparadas com planos de evacuação e resposta, e os voluntários da Equipa Comunitária de Resposta a Emergências (CERT) da AKAH mobilizam-se rapidamente para responder.

“A avalanche bloqueou completamente o rio e o nível da água começou a subir. A primeira casa já estava completamente subterrada pela avalanche, e a segunda casa estava a ficar ameaçada pela subida da água do rio. Antes que a água atingisse a casa, organizámos imediatamente uma passagem segura e, em 20 minutos, tirámos todas as coisas de dentro de casa. Como resultado, salvámos todos os bens da família da segunda casa. Após 40-45 minutos, a água chegou à segunda casa e arrastou completamente a casa. Felizmente, ninguém ficou ferido, uma vez que o processo de evacuação por parte dos voluntários das AVPT e CERT do distrito de Roshtqala foi um sucesso”, disse Alibek Alidodov.

Entre Novembro de 2021 e Março de 2022, 98% das 448 avalanches registadas no Afeganistão, Paquistão e Tajiquistão ocorreram nas áreas abrangidas pelo programa da AKAH. Graças ao trabalho de funcionários e voluntários, estes incidentes foram responsáveis por apenas 13% do total de mortes.

O futuro da preparação para o inverno

As aldeias têm registado temperaturas mais elevadas e um aumento da precipitação em zonas altas ao longo dos anos, desencadeando um maior número de avalanches e reduzindo a disponibilidade de água, dado que menos água é armazenada na forma de neve. Temos de adaptar as práticas atuais de HVRA no sentido de avaliar os riscos futuros associados às alterações climáticas.

De acordo com Deo Raj Gurung:

“Há espaço para melhorar tanto os programas de preparação para o inverno como os programas de HVRA. Precisamos de fazer programas à prova do clima para adaptar as práticas atuais de HVRA no sentido de avaliar os riscos futuros associados às alterações climáticas. A preparação para o inverno deve ser reforçada através de melhores sistemas de previsão e de alerta precoce. Precisamos de melhorar a precisão e a amplitude das previsões, passando das atuais previsões de âmbito regional para avisos e alertas mais localizados. Dado que os dados de campo são cruciais para a previsão de avalanches, precisamos de investir na melhoria da recolha de dados de campo. Temos de perceber como podemos melhorar o cumprimento por parte dos membros das comunidades dos avisos, algo que atualmente é um problema e tem levado inclusive à perda de vidas.”

Estamos a trabalhar para expandir o processo de HVRA de modo a integrar o risco climático, combinando os extensos dados localizados e os registos abrangentes da incidência de riscos naturais que recolhemos ao longo dos anos com dados de modelos climáticos globais, para moldar vários cenários climáticos futuros e apoiar iniciativas futuras. Também estamos a fazer uso dos ecossistemas e das soluções baseadas na natureza, como a arborização, para reduzir o risco atual de desastres e, ao mesmo tempo, mitigar os riscos futuros criados pelo clima.