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  • Francis Wachira, o "Rei dos Coelhos" de Nairobi, avalia as suas culturas que crescem num jardim de contentores.
    AKFC / Rosemary Quipp
Conheça o Rei dos Coelhos de Nairobi: Agricultura Urbana na África Oriental

A maioria dos turistas que visitam a África Oriental circulam por Nairobi a caminho da extensa reserva de caça de Masai Mara para ver elefantes a passar pelas pastagens, girafas a arrancar folhas de acácias e búfalos de sentinela numa poça de água.

Mas alguns visitantes estão mais interessados nos animais que se podem encontrar na capital do Quénia: os coelhos de Francis Wachira.

“As pessoas vêm aqui de lugares tão distantes como a Tanzânia, Uganda e Sudão, para ver o que estou a fazer”, contou-me o Francis quando visitei a sua quinta urbana em Nairobi. O seu cartão-de-visita diz "Francis Wachira, o Rei dos Coelhos".

Há dez anos, Francis plantava alguns vegetais num parque infantil abandonado no bairro de Makadara. Hoje, cultiva dezenas de culturas agrícolas e cria gansos, porquinhos-da-índia, galinhas, cabras e, é claro, coelhos. Francis trata de cerca de 500 coelhos, cuja carne é vendida para supermercados e hotéis.

Francis, originário da região do Monte Quénia, vive hoje como agricultor orgânico, a poucos quilómetros dos arranha-céus do centro de Nairobi, uma metrópole com mais de três milhões de pessoas.

Vivemos numa era de rápida urbanização, à medida que as pessoas migram para as cidades em busca de melhores rendimentos e novas oportunidades. Em 2008, a balança tombou finalmente: pela primeira vez na história, os habitantes das cidades superaram os que viviam nas zonas rurais. A tendência não desacelerou, e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estima que, em 2030, 60% da população global viverá nas cidades.

A urbanização traz consigo vários desafios, uma vez que a habitação, as infraestruturas, as oportunidades de trabalho e os serviços básicos não conseguem dar resposta à procura - particularmente para um terço da população global que vive em “povoados informais”, conhecidos coloquialmente como bairros de lata.

Um destes desafios é a segurança alimentar urbana. Segurança alimentar significa ter um acesso fiável a alimentos seguros e nutritivos. É uma preocupação tanto em ambientes urbanos como rurais, mas nas cidades, onde as pessoas geralmente compram os seus alimentos em vez de cultivá-los, as variações nos rendimentos e nos preços dos alimentos afetam diretamente a quantidade e a qualidade dos alimentos que as famílias conseguem pôr na mesa.

Para além de despojar as pessoas da energia que necessitam para melhorar as suas vidas e contribuir para as suas comunidades, a subnutrição tem consequências a longo prazo. Prejudica o crescimento, causa uma infinidade de problemas de saúde e está ligada a quase metade de todas as mortes de crianças com menos de cinco anos.

Não existe uma solução única para a insegurança alimentar, mas a agricultura urbana está a apresentar-se como uma forma de combater o problema.

A pequena parcela de terreno de Francis produz comida mais do que suficiente para a sua família. A variedade de colheitas agrícolas na sua quinta parece uma lista de compras de luxo: cenoura, aipo, rabanete, araruta, alface, tomate, espinafre, morango, maracujá, manjericão, sálvia, endro, hortelã, aloé vera, mandioca, sorgo, manga, banana, cana-de-açúcar, abacate e inhame.

Ele vende o excedente das suas colheitas ou oferece-o aos seus vizinhos em troca de ajuda no seu terreno. Também vende as suas cabeças de gado e leite de cabra, uma alternativa nutritiva ao leite de vaca. Ele coloca adubo para enriquecer o seu solo e recolhe sementes para plantar, partilhar e vender.

A agricultura urbana não é uma ideia nova. As práticas agrícolas surgem frequentemente entrelaçadas no tecido das cidades do mundo em desenvolvimento - quando morava em Kigali, no Ruanda, uma vez acordei com uma cabra a espreitar pela janela do meu quarto - mas raramente é praticada nesta escala. É mais frequentemente assistirmos a uma agricultura urbana fragmentada, desaprovada pelas autoridades municipais e sem ser usado todo o seu potencial.

Fui apresentado a Francis por Stephen Otieno, um investigador do Instituto da África Oriental da Universidade Aga Khan. Stephen liderou um projeto de investigação, financiado pela Fundação Aga Khan Canadá e pelo Governo do Canadá, para compreender melhor o sistema alimentar de Nairobi.

O projeto, através de um software de mapeamento, traçou as rotas que os alimentos frescos percorrem das quintas na África Oriental até às mercearias e mercados de Nairobi. Através deste mapeamento digital e de consultas com os principais agentes do sistema de agricultura urbana da cidade - como agricultores, urbanistas e membros da câmara municipal - a investigação permite obter uma imagem mais clara acerca da forma como os alimentos de Nairobi vão da quinta para a mesa.

Quanto mais entendermos sobre o sistema, - de onde vem hoje a comida e quais as oportunidades para cultivar alimentos dentro dos limites da cidade - mais bem equipados estaremos para enfrentar o problema da segurança alimentar.

A investigação de Stephen ajudará a desenvolver políticas e planeamentos com o intuito de melhorar os sistemas alimentares urbanos em Nairobi e noutros lugares. Em Nairobi, o governo da cidade já está à procura de novas formas de promover e regular a agricultura urbana.

Francis costuma usar a sua quinta como sala de aulas. Recebe regularmente visitantes que desejam cultivar alimentos nas suas próprias propriedades. A agricultura urbana não tem de ocupar muito espaço: de acordo com a FAO, um metro quadrado de terreno pode fornecer até 20 kg de alimento por ano.

"Eu não quero fazer este caminho sozinho", diz Francis. "Quero incentivar outros a virem comigo."

Quando olhamos para um mapa de satélite de qualquer cidade do mundo, vemos inúmeras oportunidades para a agricultura urbana de pequena escala: telhados a descoberto, quintais vazios e terrenos abandonados. A utilização de uma parte destes espaços para plantar culturas locais ricas em nutrientes pode ser um passo no sentido de reduzir a fome e melhorar a nutrição em algumas das zonas mais vulneráveis do mundo.

Apesar dos seus quase 70 anos, Francis não tem planos para abrandar e está sempre interessado em aprender novas técnicas agrícolas e experimentar diferentes culturas.

“Gosto de comer aquilo que planto na minha quinta, porque tenho a certeza absoluta de que, quando tiro leite da minha cabra leiteira, estou a tirar o melhor leite que há. Se eu colher estes vegetais da minha quinta, sei que estou a comer os melhores”, diz Francis. “Eu cuido do solo. Quando cuidamos do solo, ele também cuida de nós."

Este artigo foi adaptado de um artigo escrito por Rosemary Quipp, Gestora de Assuntos Públicos da Fundação Aga Khan Canadá, publicado originalmente no site da AKF Canadá.